sábado, 3 de maio de 2014

PARESTESIA NO ANTE-PÉ, TRATAMENTO ATRAVÉS DA ACUPUNTURA. RELATO DE CASO


17.04.2011
PARESTESIA NO ANTE-PÉ, TRATAMENTO ATRAVÉS DA ACUPUNTURA - RELATO DE CASO
* Douglas Garcia
INTRODUÇÃO
A parestesia consiste em sensações desagradáveis, mais ou menos permanentes que traduzem irritação de nervos periféricos sensitivos ou de raízes posteriores. As parestesias freqüentemente se associam à dor e costumam se traduzir principalmente por "formigamento" (SANVITO, 2000).
MACHADO (1993), diz que as parestesias são sensações estranhas, onde não há a total perda de sensibilidade, mas ROWLAND (1997) cita que as parestesias são sensações anormais espontâneas, descritas como uma sensação de "formigamento". Sendo reconhecidas por qualquer pessoa que já recebeu uma injeção de anestésico local em tratamentos odontológicos. Quando não persistem, as parestesias podem não indicar uma lesão neurológica, mas já quando persistentes, indicam anormalidade das vias sensoriais. Segundo Duus (2000), as causas da parestesia podem ser as seguintes: (1) uma agressão traumática; (2) agressão que parte dos tecidos circundantes (inflamação, tumor que comprime o nervo, ou que, como a inflamação lhe ultrapassa os envoltórios e o invade); (3) lesões vasculares (neuropatias vasculares); (4) inflamação do nervo.
Na medicina tradicional chinesa a parestesia é vista de outra maneira, sem explicações fisiológicas. Nesta visão a mesma é causada por uma estagnação de QI, estagnação de QI do Fígado e/ou invasão de umidade. (ENCINAS, 2003)
O QI, o sangue e os líquidos orgânicos são os materiais básicos do organismo. Sua origem, desenvolvimento, circulação e sua distribuição, só podem efetuar-se graças à atividade funcional das vísceras. Mas, inversamente, a atividade funcional das vísceras não se pode manifestar sem o QI, o sangue e os líquidos orgânicos lhe sirvam de base material. (AUTEROCHE, 1992)
O QI tem deslocamentos múltiplos, que podem resumir-se à noção de “troca e movimentos.” A troca (entradas e saídas) e movimentos (ascensão e descida) são objeto de cuidados constantes pois somente quando a “troca e movimento” do QI de cada órgão, assim como a atividade de todos os órgãos estão coordenados, que pode haver um equilíbrio fisiológico normal. (AUTEROCHE, 1992)
O Fígado (Gan) apresenta muitas funções importantes, entre as quais a de armazenar o Sangue (Xue), e assegurar o movimento suave do QI através de todo o organismo. Também é responsável pela nossa capacidade de recuperar o QI e contribuir para a resistência do organismo contra os fatores patogênicos externos. (MACIOCIA 1996)
O Fígado (Gan) é freqüentemente comparado a um general de exercito porque é responsável pelo planejamento total das funções do organismo realizado por meio da garantia do fluxo suave e da direção correta do QI. Então as funções do fígado são:
§ Armazenar Sangue
§ Assegurar o fluxo suave do QI
§ Controlar os tendões
§ Manifestar-se nas unhas
§ Abrir-se nos olhos
§ Abrigar a alma etérea
(MACIOCIA 1996)
A umidade é um fator patogênico do yin e tende afetar o yang. A umidade refere-se não somente ao tempo úmido, mas também as condições de habitação, tais como morar em locais úmidos, mas também as condições de habitação, como morar em locais úmidos. A umidade exterior pode também ser obtida por meio de roupas úmidas, caminhar na água, trabalhar em locais úmidos ou sentar-se no chão molhado. (MACIOCIA 1996)
As características da umidade são: ela é pegajosa, difícil de ser eliminada, pesada, lentifica o metabolismo, descende e causa crises freqüentes. Quando a umidade exterior invade o organismo normalmente inicia pela parte inferior, tipicamente nas pernas. Das pernas pode fluir em ascendência nos meridianos das pernas e fixar-se em qualquer órgão da cavidade pélvica. (MACIOCIA 1996)
A umidade externa tende a afetar o yang do Baço (Pi) e dificultar a sua função de transformar e transportar Após o ataque inicial, o Baço (Pi) torna-se deficiente e por sua vez tende a produzir mais umidade. A umidade externa pode invadir os meridianos e estabelecer-se nas articulações causando uma dor surda, parestesia e edema. (MACIOCIA 1996)
A umidade interna origina-se de uma deficiência do Baço (Pi) e algumas vezes do Rim (Shen). Se a função do Baço (Pi) de transformar e transportar os Fluídos Corpóreos (Jin Ye) falhar, esses não serão transportados e se acumularão formando a umidade. As manifestações da umidade interna são as mesmas que as da externa, com a única diferença que o início é gradual e não contínuo. (MACIOCIA 1996)
Estagnação do QI é a parada da circulação do QI ou o bloqueio da atividade funcional de um órgão ou de uma parte do corpo. Há sintomas de inchaço, tumefação, dilatação, dores e parestesias e suas causas são: sensações reprimidas e congestionadas, desregramento alimentar, agentes patogênicos externos e contusões. A localização das dores e das tumefações é função das regiões onde o QI está bloqueado. As causas sendo múltiplas, diferentes órgãos ou diferentes partes do organismo podem estar implicados e suas semiologias particulares acrescentam-se então aos sintomas comuns. (AUTEROCHE, 1992).
Uma das causas mais comum da parestesia é a deficiência de sangue (XUE) seguido da umidade. Aspecto pálido, lábios pálidos, tontura, memória debilitada, parestesia são sintomas clássicos desta deficiência. (AUTEROCHE, 1992).
A deficiência de sangue normalmente se origina da deficiência do QI do Baço já que o mesmo dá os primeiros passos para produção do QI e do sangue. Uma vez que o sangue se torna deficiente, isto afeta particularmente o Fígado e o Coração. Os sintomas anteriormente descritos são uma combinação da Deficiência do Fígado (parestesias, tontura) e da deficiência do sangue do Coração (aspecto pálido, memória debilitada) (MACIOCIA 1996)

MATERIAIS E MÉTODOS
O paciente W.D. 51 anos masculino buscou ajuda em um serviço de acupuntura, pois apresentava intensa parestesias no ante-pé bilateralmente. Tudo iniciou com desconforto na região que oscilava por alguns minutos e desaparecia, com o passar do tempo essas sensações foram piorando até tornarem-se rotineiras em suas atividades de vida diária. Relata que sofria destes sintomas em torno de 06 meses. Essas sensações estavam presentes vinte quatro horas por dia e pioravam muito quando o paciente “molhava” os pés como no banho ou quando suava o pé dentro das botas de borracha que usava para trabalhar. Quando os sintomas se agravavam o paciente relata que a parestesia evoluía em ascendência até o tornozelo atingindo todo o pé
Fez diversos exames clínicos e complementares em algumas especialidades médicas como Angiologista, Cardiologista, Neurologista e Ortopedista. Todos os exames complementares e clínicos dentro de cada área específica se mostraram normais. Submeteu-se a inúmeros tratamentos medicamentosos sem sucesso, então buscou um tratamento alternativo e sua primeira opção foi a acupuntura
Para complementar a avaliação foi utilizada a escala de intensidade da dor (STEDMAN, 1990) adaptada para a parestesia do paciente onde 0 (zero) significava ausência de parestesia e 10 (dez) uma parestesia insuportável.

Foram considerados os seguintes sintomas chave:
· Aversão ao frio e umidade o que caracteriza uma deficiência de Qi e invasão dos patógenos frio e umidade.
· Má digestão (deficiência de Baço), regurgitação e flatulência (estagnação do QI do Fígado).
· Pouquíssima sede (invasão de umidade e frio no Baço).
· Insônia (Deficiência de sangue e estagnação do Qi do Fígado)
· Paciente extremamente possessivo que reage mal aos problemas do dia a dia (Estagnação do Qi do Fígado)
· A Língua apresentava-se azulada indicando neste caso estagnação de Xue, trêmula, tipo martelo e com marcas de dente pela deficiência do Baço). A saburra fina e escorregadia também evidenciava a invasão de frio e umidade.
· O Pulso em corda (Estagnação de Qi do fígado).
No dia da avaliação o paciente relatou que na escala de intensidade da parestesia encontrava-se com um Grau 5 (cinco) (escala de 0-10) porém em momentos de crise como por exemplo após o banho alcançava o Grau 10 (dez).
Após a analise dos dados colhidos na avaliação concluiu-se que o paciente sofria de uma deficiência do Baço associado a uma deficiência de sangue, uma estagnação de Qi do Fígado e invasão dos patógenos frio e umidade.
Sugeriu-se então os seguinte tratamento:
Pontuar em modo de harmonização os pontos: F3, BP6, E36, E40, VC4, F13, IG4 durante 10 sessões de acupuntura uma vez por semana. A agulha utilizada foi do tamanho 0,25x30 mm marca Dong Bang.
O uso de álcool a 70%, ou álcool iodado, é recomendado para ser aplicado sobre a pele nos locais de punção.
Segue as indicações dos pontos segundo ROSS, 2003 e FOCKS & MARZ,2008:
F3 – é o ponto fonte do fígado e um dos mais usados em acupuntura. Tem como função distribuir o QI e o sangue do Fígado, age na cabeça, acalma espasmos, regula o Jiao inferior, acalma o espírito, remove o frio do canal do fígado, tonifica o sangue do fígado
F13 – Ponto de Alarme do Baço, ponto de influência sobre os cinco órgãos Yin. Move a estagnação do QI do Fígado, harmoniza o Baço e o Fígado, regula o Jiao médio e inferior, fortalece o baço.
E36 – É um dos pontos mais importantes do corpo. Sua principal função é fortalecer o Baço e o Estômago para que produzam QI e Sangue e eliminem a umidade. Tonifica o QI e Sangue, dispersa a umidade, estabiliza a mente e as emoções, tranqüiliza o Shen, ponto de comando Gao Wu (ponto-mestre) para o tratamento de distúrbios do abdômen, ponto mar dos alimentos.
E40 – ponto específico para fleuma e umidade.
BP6 – Tonifica o Baço, QI e Sangue, regula o Qi do Fígado, elimina a umidade, acalma a mente, regula o sistema digestivo,move o sangue e tonifica o YIN
VC4 – Regula e tonifica o QI geral,o Jing e o Rin. Elimina o frio e a umidade do Jiao inferior
IG4 – um dos maiores pontos de acupuntura com uma enorme variedade de efeitos. É o ponto fonte do intestino grosso. Move estagnações de sangue, acalma a mente, tonifica o QI e o sangue. Combinado com E36+BP6 gera o portal da vitalidade.

RESULTADOS
Na primeira sessão o paciente chegou para o atendimento com um alto grau de parestesia referia grau sete (escala de 0-10). Após o tratamento de harmonização de vinte minutos o paciente referiu grande alívio podendo classificar sua parestesia em um grau três, seu pulso estava mais superficial e suave.
Na semana seguinte a primeira sessão o paciente retornou satisfeito com o atendimento relatando que a parestesia se manteve em média grau três oscilando em alguns momentos para mais como, por exemplo, durante o banho. Sua digestão estava melhor, a regurgitação e a flatulência também diminuíram significantemente. Seu pulso estava normal e sua língua seguia azulada com saburra fina e escorregadia. Repetida a aplicação o paciente deixa o atendimento assintomático, ou seja, a parestesia estava grau zero.
Na terceira sessão o paciente relata que teve parestesia raríssimas vezes durante a semana. Sua digestão estava normal e os desagradáveis sintomas gastrointestinais desapareceram. Questionado sobre sua sede disse que no momento à considerava normal. Ainda apresentava insônia mas achava que a mesma diminuía sensivelmente. Seu pulso era normal e a língua apresentava cor vermelha normal com saburra fina.
No quarto atendimento o paciente relata que passou a semana assintomático e sem queixas. Sua insônia havia desaparecido e sentia-se muito disposto. O Pulso encontrava-se normal e sua língua com cor e saburra normal mas com presença do formato martelo e marcas de dentes.
A partir da quinta sessão até a décima o paciente relatou estar totalmente assintomático e sem queixas recebendo alta plenamente satisfeito com o tratamento. Nos dias atuais realiza sessões quinzenais de manutenção.

DISCUSSÃO
A Acupuntura, e outras técnicas da Medicina Tradicional Chinesa (MTC) estão sendo resgatadas como um meio bastante satisfatório no processo de cura de muitos males que atinge a saúde das pessoas. Tem-se aos poucos despertado na população uma crescente busca pelos seus resultados efetivos. A MTC tem como objetivo, equilibrar o indivíduo de forma holística, ou seja, tratar corpo e mente, e utiliza o conhecimento dos canais energéticos para promover o bem-estar físico e psíquico através da pontuação em locais específicos destes canais de energia denominados de pontos acupunturais
O tratamento de parestesias através da acupuntura é ainda muito raro. Tal afirmação se faz verdadeira baseada na dificuldade de encontrar bibliografia as quais atestem tal eficácia.
Alguns autores citam em seus trabalhos melhora de sintomas como a parestesia com o uso da acupuntura, mas estudos específicos são inexistentes.
DOUGLAS, 1999 em seu trabalho sobre lombalgia cita que além da dor os sintomas de ciatalgia com parestesia melhoraram significantemente após dez sessões de acupuntura mas há somente esta referência no trabalho.
MANHEIMER, 2007 analisou e comparou em uma meta-análise o trabalho de onze autores de diversas nacionalidades que utilizaram a acupuntura pra tratar a osteoartrite no joelho totalizando 1115 pacientes. Concluiu que a acupuntura mostrou-se eficaz para a maioria dos autores reduzindo os sintomas (dor, calor, rigidez e parestesia). Novamente não há uma referência específica ao sintoma da parestesia, há apenas uma citação.
PASQUALE et all., 1983 em um estudo sobre a “síndrome das pernas inquietas” o qual cita sintomas como parestesias nos membros inferiores após sugerir diversos tratamentos faz um suave referência sobre a acupuntura como uma alternativa.
JUNYING, 1994 faz uma revisão sobre as síndromes BI, explica em detalhes como a mesma atinge os meridianos e dá sugestões de como tratar os sinais e sintomas das síndromes BI.
ROSS, 2003 em seu livro sugere diversos pontos de acupuntura para o tratamento de deficiência de sangue (XUE) ou Estagnação do QI do Fígado, mas especificamente para a parestesia não há qualquer sugestão.
Neste estudo a acupuntura se mostrou eficaz no tratamento da parestesia no ante-pé porém uma análise mais aprofundada e com um maior número de indivíduos se faz necessário.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AUTEROCHE, B. NAVAILH, P. O Diagnóstico na Medicina Chinesa. 2º ed. Editora Andrei. São Paulo 1992.
DOUGLAS F. Low Back Pain: Care & Prevention with Traditional Chinese Medicine. Blue Poppy Press,Inc. 1999
DUUS, P. Diagnóstico Topográfico em Neurologia. 3 ed. Ed. Cultura Médica: Rio de Janeiro, 1985.
ENCINAS, Leila M. Gantus. Manual Prático de Diagnóstico e Tratamento em Acupuntura. 1º ed. Editora ROBE. São Paulo, 2003
JUNYING, Geng Revista Brasileira de Acupuntura SMBA – Sociedade Brasileira de Acupuntura – Volume 3 – Número 4 – Outubro de 1996
MACIOCIA, Giovanni. Os Fundamentos da Medicina Chinesa. 1º ed. Editora Roca. São Paulo, 1996
MACHADO, A. V. Neuroanatomia Funcional. 2 ed. Ed. Atheneu: Guanabara Koogan: Rio de Janeiro, 1993
MANHEIMER, Eric MS; KLAUS Linde, MD, PhD; LIXING Lao, PhD, LAc; LEX, M. Bouter, PhD; and BRIAN M. Berman, MD.. Meta-analysis: Acupuncture for Osteoarthritis of the Knee. Ann Intern Med.. Annals of Internal Medicine.2007;146:868-877
PASQUALE, Montagna. CIRIGNOTTA, Fabio. MARTINELLI, Paolo. Painful legs and moving toes" associated with Polyneuropathy. Journal of Neurology, Neurosurgery, and Psychiatry 1983;46:399-403 From the Institute of Neurology, University of Bologna, Bologna, Italy
ROSS, Jeremy. Combinações dos Pontos de Acupuntura. 1º ed. Editora Roca. São Paulo, 2003.
ROWLAND, L. P. Merritt Tratado de Neurologia, 9 ed. Ed. Guanabara Koogan:Rio de Janeiro, 2000
SANVITO, W. L. Propedêutica Neurológica Básica. 6 ed. Ed. Atheneu: São Paulo, 2000
STEDMAN. Dicionário Médico, 25 edição, editora Guanabara-Koogan 1990
* Fisioterapeuta Acupunturista

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